#17 Tudo o que eu quero fazer é ilegal
Especial Halloween: ouvir as histórias de terror da sua família é manter um legado - e meus filmes favoritos de folk horror
Minha tia já viu o lobisomem
Já mencionei em uma edição anterior o quanto amo o gênero horror, e isso provavelmente vem de vários fatores. Tanto por consumir esse tipo de mídia desde muito jovem, quanto pela influência da minha família materna, que sempre me contou histórias assustadoras sobre tudo o que eles e outros parentes vivenciaram enquanto moravam em uma fazenda ou em uma cidadezinha no interior de São Paulo.
Desde criança, lembro o quanto esses momentos são especiais, e estarão para sempre gravados na minha memória. Não porque as histórias me assustavam a ponto de me deixar sem dormir à noite, deitada num colchão no chão da casa da minha tia-avó, junto com meus primos também crianças, mas pela afetividade que essas rodas de histórias assombradas proporcionavam. Todos reunidos à noite, com o som baixo das cigarras e olhos atentos em quem contava a vez, para mim, esses eram os maiores momentos de paz com minha família.
A família da minha mãe tem uma origem muito humilde, nascida e criada em uma fazenda de café, um lugar que eu adorava visitar quando era criança. Eu rolava e me divertia no monte de palha de café, colhia frutas e ainda roubava algumas das árvores no quintal de vizinhos. Depois, sempre voltávamos no carro do meu primo recém habilitado, nos perdendo no meio do cafezal. Eu, criança, ria sem parar, enquanto minha tia ficava furiosa por ele sair da estrada.
As pessoas que moravam nessas fazendas sempre tinham histórias muito cabulosas para contar. “Antigamente, fia, tinha muita coisa por aí”, é o que minha família sempre me dizia. Lobisomens, o Corpo Seco, o fantasma do antigo dono da fazenda montado no seu cavalo branco, espíritos que atiravam pedras no meu avô e nos compadres enquanto eles pescavam, os afilhados da minha bisavô - a parteira da fazenda - que iam se despedir dela antes de falecer. Eu amava ouvir essas histórias, e quando saíamos a noite para comer um lanche na cidade vizinha, eu mantinha os olhos atentos no percurso, e pedia internamente para ver alguma assombração sangrenta na beira da estrada.
Todos os meus parentes são católicos, minhas amigas acham engraçado meu apreço pela estética e práticas católicas, especialmente porque não tenho religião e nem acredito em um deus. Mas o catolicismo popular tem algo de fascinante, principalmente quando suas práticas se misturam com o sincretismo. Desde cedo, minha tia me benzia com um ramo cheiroso de arruda, meu primeiro contato com ASMR. Em algum momento do ano, sempre estou devendo dinheiro para alguma santa, já que meus avós fazem promessas em meu nome. Meu avô sempre tem um copo de água benta para me dar – e, honestamente, acho que tem um gosto diferente da água comum. As histórias de procissões no interior são sempre as mais interessantes: sempre há alguém que já morreu caminhando ao seu lado, segurando uma vela enquanto ora.
Eu não gosto da igreja católica como instituição, mas amo o catolicismo do povo, o catolicismo que faz sentido para quem cresceu à margem. Nunca vou deixar de sentir essa afetividade pelas simpatias com santos, ou com as almas afogadas, degoladas ou famintas, novenas e promessas com pagamentos sacrificiais, tem algo no catolicismo do povo que não vejo em nenhuma religião: algo oculto, fascinante e até mesmo meio assustador.
Quando nossa família compartilha histórias de terror, isso vai muito além do simples entretenimento. Essas narrativas estão repletas de significados, lições de vida, advertências ou até mesmo explicações para eventos traumáticos que marcaram nossos ancestrais. O medo é um dos sentimentos mais primitivos, e essas histórias podem nos conectar de maneiras que, às vezes, não compreendemos de imediato.
Além disso, essas histórias refletem a cultura local, as superstições e as práticas espirituais que foram passadas de geração em geração. Contar histórias de terror é uma maneira de manter essas crenças vivas. Quando ouvimos as histórias contadas por nossos avós ou pais, absorvemos mais do que a narrativa em si: carregamos a carga emocional e cultural que elas trazem, contribuindo para o processo de aftividade, no qual memórias e experiências são transmitidas como parte de um legado.
Então, sente-se com seus pais, avós, seus parentes. Pergunte sobre as histórias de terror que assombram sua família e mantenha esse legado geracional vivo, unindo saberes ancestrais por meio dessas narrativas.
E pergunte sobre lobisomem, todo mundo sempre tem uma história fascinante pra contar.
Meus filmes de folk horror favoritos
Creio que esse meu apreço por histórias assombradas da minha família não poderia ter se transformado em outra coisa senão em amor por filmes de folk horror: um gênero que explora o medo e o sobrenatural em conexão com tradições, crenças e práticas populares ou rurais, geralmente ligadas a comunidades isoladas.
Bom, aqui vai uma breve lista, sem ordem específica:
Marcas da Maldição
Já devo ter assistido a esse filme umas quatro vezes. Sempre que alguém vem em casa e diz “Quero ver um terror cabuloso”, é esse que eu escolho. Não tem erro, ele é, de fato, cabuloso. Explora um tema que eu nunca imaginei ver num filme de terror: budismo. Tipo, quem é o doido que pensaria numa coisa dessas? É fascinante. Além disso, é um found footage que mistura seitas, assombração, possessão, criança amaldiçoada e práticas ancestrais. Um aviso: a criança sofre mais que Jesus. Os asiáticos não têm o menor receio de colocar crianças pra apanhar nos filmes, ao contrário dos americanos. Eu simplesmente adoro imitar o símbolo da maldição para aterrorizar quem acabou de assistir.
The Wailing
Esse aqui exige um pouco mais que duas sinapses cerebrais funcionando para entender. Dito isso: precisei recorrer ao Reddit para juntar as peças que meu cérebro fajuto não conseguiu conectar sozinho. O filme é totalmente diferente de qualquer coisa que eu tenha imaginado. A história se passa numa comunidade rural da Coreia do Sul, onde um policial bundão precisa desvendar um misterioso vírus que está causando mortes estranhas. A mistura de vírus, possessão demoníaca, exorcismo xamânico – minha coisa favorita em filmes asiáticos –, aniquilação familiar, zumbis, mitologia xintoísta e assombração cria uma trama tão complexa quanto fascinante. É uma obra de arte do horror, daqueles que te deixam pensando por dias.
Drag Me to Hell
Esse é o tipo de filme que eu diria para você não focar muito na qualidade. Tenho um carinho especial por ele: assisti quando era muito jovem, e pelo menos uma vez ao ano preciso rever. É um dos meus favoritos da vida, mesmo que, tecnicamente, ele não seja lá grande coisa. Mas, puts, eu amo esse. É grotesco, nojento e cheio de simbologias interessantes quando você para para analisar. E acima de tudo: camp. A trama segue uma corretora bancária que acaba amaldiçoada por uma bruxa cigana após negar o empréstimo que salvaria sua casa. Eu adoro filmes de maldição, adoro filmes com demônios, e depois desse, passei a amar filmes grotescos. Se você não tem aversão a vômito e insetos: apenas assista e divirta-se.
Noroi: The Curse
Outro filme asiático pelo qual sou apaixonada. É praticamente uma propaganda anti-turismo do Japão: não se meta onde você não conhece. Noroi é um filme em formato de documentário, perturbador e catártico, onde tudo dá errado – e, como boa parte dos filmes de terror asiático, sempre sobra para a criança. A história investigativa vai se desenrolando aos poucos, revelando teorias da conspiração junto com o protagonista, que se enfia onde não é chamado. No dia em que assisti, fiquei com medo de ir ao banheiro sozinha, não por causa de uma entidade, mas pela vibe ruim que o filme provoca, te fazendo pensar que não há para onde fugir.
O Mal que nos Habita
Esse é elite. Perturbador, sanguinário, grotesco e catastrófico. Assisti junto com meu namorado, e na cena mais aterrorizante, a energia da minha casa caiu. Quando voltou, eu sugeri assistirmos no dia seguinte. Porque, por mais obcecada que eu seja por terror, ainda sou uma cagona. Esse filme argentino não teve dó: não poupou crianças, mulheres grávidas, cachorros e nem jovens autistas. É o tipo de filme que você assiste uma vez, agradece pela experiência de assistir algo tão bem feito, e depois se despede. Obrigada, mas de novo, não.
Obsessão da semana
Acho que ainda estou nessa do P. Diddy, absorvendo tudo o que o desdobramento do caso pode me proporcionar. Cresci assistindo TV Fama, então, é claro que sou fascinada pela vida de pessoas famosas.
Além desse caso, também fiquei vidrada pelo dos irmãos Menendez. Assisti ao documentário da Netflix e fiquei de coração partido. Não sabia muito sobre o caso, apenas que dois irmãos milionários haviam matado os pais de forma brutal e que mais tarde a Netflix faria uma série e um documentário sobre isso. Conforme o documentário avançava, senti uma vontade imensa de chorar, tudo o que eles passaram é simplesmente horrível. Mas, claro, nada justifica cometer assassinatos hediondos. Ainda assim, tenho um certo fascínio por casos criminais envolvendo famílias, porque a família é o primeiro agente socializador do ser humano, e quando um crime dessa magnitude acontece, fico obcecada em destrinchar e entender tudo o que levou ao ocorrido.
Enfim, é um excelente documentário. Ele me fez refletir muito sobre como falhamos, como sociedade, em proteger vítimas de abuso infantil extremo.
Leitura da vez
Ainda estou lendo Frio o Bastante para Nevar, e meu deus, que livro lindo. Tenho muito a dizer sobre ele, por isso prefiro esperar até a próxima semana para organizar melhor minhas ideias e compartilhar com vocês.
Portanto, nesta edição, não teremos atualizações da minha vida fajuta de leitora. Fica para a próxima.
E tchau.
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É isso, um beijo da Anitta!
nossa, eu esperava um rolê bem doidinho creepy e tu entregou uma baita reflexão... vanessinha, vc sempre me surpreende
nós garoutas apavoradas por lobisomem desde cedo